A inaplicabilidade da Lei Magnitsky a autoridades brasileiras: por que ministros do STF e o Procurador-Geral da República não podem ser alcançados por sanções externas.
Muito se tem falado, especialmente em redes sociais e círculos políticos polarizados, sobre a possibilidade de aplicação da chamada Lei Magnitsky a autoridades brasileiras, como ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) ou o próprio Procurador-Geral da República. Há quem defenda que, diante de supostos abusos de poder ou omissões institucionais, essas figuras públicas deveriam ser alvo de sanções internacionais, nos moldes do que já ocorre com autoridades de regimes autoritários. No entanto, do ponto de vista jurídico e institucional, essa ideia é, ao mesmo tempo, inviável e perigosa, por representar uma confusão entre política externa e Estado de Direito.
A Lei Magnitsky, originalmente adotada pelos Estados Unidos em 2012 e depois expandida globalmente, é uma ferramenta de política internacional que permite a imposição de sanções a indivíduos estrangeiros envolvidos em graves violações de direitos humanos ou corrupção sistêmica. Trata-se, essencialmente, de um instrumento unilateral de soberania externa, usado como resposta estatal à impunidade transnacional. Nada mais legítimo — e necessário — em um mundo onde a responsabilização internacional ainda é rarefeita.
Contudo, o alcance dessa lei se limita ao território e à jurisdição do Estado que a promulga. Ela não possui qualquer validade jurídica no Brasil, não gera efeitos vinculantes internos e tampouco serve como base para responsabilização formal de autoridades brasileiras. É um erro conceitual — e jurídico — supor que um ministro do STF ou o chefe do Ministério Público da União possam ser afastados, investigados ou punidos a partir de uma legislação estrangeira que sequer foi recepcionada ou ratificada pelo ordenamento jurídico nacional.
A Constituição Federal de 1988 é clara ao estabelecer o Brasil como um Estado soberano (art. 1º) e ao fixar as competências e prerrogativas de seus Poderes e agentes públicos. Ministros do STF possuem foro por prerrogativa de função (art. 102, I, b), e o Procurador-Geral da República goza de independência funcional (art. 127, §1º). Essas garantias não existem para blindá-los de críticas ou isentá-los de responsabilidade, mas para assegurar a autonomia institucional e a estabilidade do sistema de freios e contrapesos.
Aceitar que um país estrangeiro — por mais democrático que seja — possa sancionar unilateralmente membros do Poder Judiciário ou do Ministério Público brasileiros, com consequências jurídicas internas, seria abrir um precedente inaceitável contra a soberania nacional e contra o devido processo legal. Imagine se o Brasil, por sua vez, resolvesse aplicar sanções a juízes da Suprema Corte americana ou a procuradores alemães. Isso equivaleria a uma interferência internacional indevida, repudiada por qualquer ordem constitucional séria.
Ademais, do ponto de vista doutrinário, juristas como Valério Mazzuoli lembram que normas estrangeiras só produzem efeitos no Brasil mediante ratificação de tratados internacionais e sua internalização por decreto presidencial (art. 49, I, e art. 84, VIII, da CF/88). A Lei Magnitsky não atende a nenhum desses requisitos. Trata-se, pois, de um instrumento eficaz — mas internacionalmente limitado.
Isso não significa que agentes públicos brasileiros estejam acima da lei. Pelo contrário: devem prestar contas dentro do sistema constitucional brasileiro, inclusive por meio de investigações internas, controle judicial, processos legislativos ou até responsabilização perante tribunais internacionais como o Tribunal Penal Internacional (TPI), se for o caso. O que não se pode aceitar é a tentação populista de substituir o ordenamento jurídico nacional por um mecanismo estrangeiro de sanção simbólica, sem o devido contraditório, sem instância recursal e sem previsão constitucional.
Em tempos de crise institucional, é fácil ceder ao impulso de buscar soluções externas para os problemas internos. Mas a defesa do Estado de Direito exige firmeza de princípios — inclusive o princípio da soberania. A Lei Magnitsky é uma ferramenta legítima de política externa, mas não pode ser usada como atalho punitivo para resolver impasses institucionais no Brasil. O caminho para a responsabilização de autoridades é árduo, jurídico e interno — e precisa ser trilhado com respeito à Constituição.
Se o Brasil quiser adotar um regime semelhante ao da Lei Magnitsky, que o faça por meio de debate legislativo, aprovação democrática e adaptação constitucional. Fora disso, estaremos apenas importando o arbítrio travestido de justiça, ainda que sob a bandeira sedutora do combate à corrupção e aos abusos de poder.
Fernando Rocha é Procurador da República e Mestre em Direito Internacional
Comentários (4)
4 respostas para “Taxa selic: 15% ao ano. — Quando o remédio vira veneno. Por Aragão.”
vai ter artigo sobre a votação da da direita para manter a alta na conta de energia?
Os bancos nunca perdem, direita ou esquerda no poder, economia estagnada ou aquecida os lucros são sempre a estratosféricos
Só vdd!
Não por acaso, “menos para os bancos”, já que possuem a tutela do “roteiro”… obviamente. NADA é por acaso!