Em muitos cantos do Brasil, o valor de uma mensalidade em um curso de ensino superior privado
é inferior ao custo de uma escola de educação básica particular. Esse aparente paradoxo
escancara uma realidade desconfortável: estamos formando jovens no nível universitário com
investimentos que, em tese, não sustentariam sequer o ciclo fundamental de ensino. A que custo
– simbólico, social e pedagógico – estamos entregando esse diploma?
Segundo o Censo da Educação Superior 2022, publicado pelo INEP, mais de 87% das matrículas
de graduação no Brasil estão na rede privada. Ainda de acordo com o estudo, o valor médio da
mensalidade em cursos de graduação EAD gira em torno de R$ 270, cifra inferior a muitas
mensalidades de escolas particulares de educação infantil. Essa discrepância revela um modelo
que aposta em volume e custo reduzido, frequentemente em detrimento da qualidade.
A expansão do ensino superior privado nas últimas décadas foi vertiginosa. Impulsionadas por
programas como o FIES e o Prouni, além da liberação de capital estrangeiro no setor, centenas
de instituições ampliaram sua oferta, especialmente nas modalidades semipresencial e a
distância. Essa democratização numérica, entretanto, não veio acompanhada de um
compromisso uniforme com a excelência acadêmica.
Boa parte das instituições privadas opera com margens apertadas, infraestrutura limitada e um
corpo docente sobrecarregado. Em 2021, o próprio INEP apontou que mais da metade dos
cursos de graduação a distância oferecidos por instituições privadas recebeu conceito 3 ou
inferior (em uma escala de 1 a 5) no Conceito Preliminar de Curso (CPC), um dos principais
indicadores de qualidade do MEC.
Entretanto, seria injusto demonizar por completo o setor privado. Em muitos municípios
brasileiros, principalmente em regiões afastadas dos grandes centros urbanos, é ele quem
sustenta o sonho do ensino superior. Segundo levantamento do Semesp, em mais de 70% dos
municípios brasileiros com instituições de ensino superior, a única oferta disponível é da rede
privada. Enquanto universidades públicas concentram-se nas capitais ou em cidades de porte
médio, as instituições privadas marcam presença em quase todo o território nacional. Elas
chegam onde o Estado não chegou – ou não quis chegar.
É comum encontrarmos histórias de superação: jovens de famílias humildes, os primeiros a
cursar uma faculdade, mudando o destino de suas famílias graças a uma faculdade particular em
sua cidade. Ainda que a estrutura seja modesta, o acesso à formação representa uma chance
real de mobilidade social.
O desafio, portanto, não está apenas em criticar o modelo privado, mas em propor uma revisão
mais ampla do papel do ensino superior no país. O Estado precisa retomar seu protagonismo
com mais investimentos, expansão responsável da rede pública e fortalecimento das
universidades federais e estaduais. Ao mesmo tempo, é urgente redefinir com clareza as funções
e responsabilidades das Universidades, Centros Universitários e Faculdades isoladas,
especialmente no que se refere à produção científica, à pesquisa aplicada e ao compromisso
com o desenvolvimento local e regional. Cada tipo de instituição deve assumir seu papel com
coerência e responsabilidade, evitando uma homogeneização do sistema que enfraquece a
identidade e o propósito da educação superior. Por fim, é necessário estabelecer marcos mais
firmes de regulação e qualidade para o setor privado, garantindo que acessibilidade não seja
sinônimo de precarização.
O Brasil não pode aceitar um ensino superior barato como produto de prateleira nem raro como
um privilégio de elite. É necessário equilibrar o acesso com a qualidade, e a escala com o
compromisso formativo. Formar profissionais, sim – mas também cidadãos críticos, capazes de
compreender e transformar a realidade à sua volta.
Referências:
• Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Censo da
Educação Superior 2022.
• INEP/MEC. Indicadores de Qualidade da Educação Superior 2021.
• SEMESP – Sindicato das Mantenedoras de Ensino Superior. Mapa do Ensino Superior no
Brasil 2023.
• MEC. Sistema e-MEC – Avaliação de Cursos e Instituições.
Ronald Campos é Diretor da Eco Consultoria & Sistemas | Consultor no Ensino Superior
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