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A liberdade de expressão é, historicamente, um dos pilares das democracias liberais. No entanto, sua concepção não é estática — ela se transforma conforme o espírito do tempo, ou, como denominava Hegel, o Zeitgeist. Trata-se da manifestação histórica das ideias dominantes em determinado período, que condiciona o modo como a sociedade compreende valores fundamentais como a liberdade, a verdade, a justiça e, aqui, a expressão.
Durante séculos, a luta pela liberdade de expressão configurou-se como resistência contra formas de tirania — o poder régio, o dogma religioso, o autoritarismo de Estado. A tese predominante, portanto, foi a da liberdade como direito irrestrito de dizer, pensar e publicar. Nessa fase, o pensamento era disperso, atomizado, pouco capaz de formar consensos organizados em larga escala. A ausência de meios técnicos de aglutinação do discurso reforçava, paradoxalmente, a necessidade de uma liberdade ampla, pois o risco de hegemonia ideológica era mitigado pela própria dispersão dos emissores.
Entretanto, com o advento das redes sociais digitais, especialmente a partir da segunda década do século XXI, o Zeitgeist começou a exigir uma nova abordagem. O pensamento, antes fragmentado, passou a se organizar em blocos ideológicos coesos, mediados por algoritmos que não apenas favorecem a repetição e o engajamento, mas impõem lógicas de visibilidade e exclusão. Assim, por mais paradoxal que pareça, a tecnologia que prometia pluralidade resultou em monopólio de opiniões, bolhas informacionais e colonização do discurso público.
Neste novo contexto histórico, a tese da liberdade ilimitada cede lugar à antítese: a percepção de que o excesso de expressão sem responsabilização pode conduzir à anarquia comunicacional, à desinformação em massa e ao linchamento simbólico. A ausência de limites pode dar voz à barbárie, e não à liberdade.
A síntese hegeliana que se impõe é, portanto, a da liberdade regulada — não como forma de censura, mas como mecanismo racional de preservação da pluralidade. Regular as redes sociais é, neste sentido, obedecer ao espírito do tempo: garantir que a liberdade de expressão não seja capturada por estruturas privadas que monopolizam o discurso e moldam a opinião pública segundo interesses econômicos e políticos específicos.
A verdadeira liberdade de expressão, no século XXI, exige a coragem de repensá-la. Exige compreender que a liberdade não é o direito de todos falarem ao mesmo tempo e sem consequência, mas a garantia de que todas as vozes tenham, efetivamente, espaço para serem ouvidas. E isso, em tempos de algoritmos e bolhas, só será possível mediante regulação democrática, transparente e compatível com os princípios do Estado de Direito.
Assim, a regulação das redes sociais não é a negação da liberdade de expressão, mas sua mais alta afirmação no Zeitgeist atual. O espírito do tempo exige responsabilidade. E liberdade sem responsabilidade é apenas outra forma de opressão — agora, travestida de cliques, curtidas e viralizações.
Fernando Rocha é Procurador da República e Mestre em Direito Internacional
Comentários (1)
Uma resposta para “Tumor de Wilms: Casa Durval Paiva alerta sobre principais sinais e sintomas”
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